segunda-feira, 7 de julho de 2008

Resenha: A escrita da História.

O historiador Peter Burke tem diversos estudos e pesquisas na área historiográfica, atualmente história cultural na Universidade de Cambridge, Inglaterra, sendo ainda bastante conhecido no meio acadêmico brasileiro por participar de diversos cursos e reuniões cientifica nas Universidades brasileiras, além de ter importantes obras suas editadas pela Companhia das Letras, cultura popular na Idade Moderna; pela Editora Brasiliense, Veneza e Amsterdã e pela Editora Unesp, A Escola dos Annales. Seu livro, A escrita da história: novas perspectivas, publicado em 1992 pela editora Unesp, é uma importante compilação de escritos organizados por esse renomado historiador, onde se busca refletir sobre o progresso e expansão da historiografia do século XX. Constituindo-se obra indispensável para pesquisadores, estudantes e a todos aqueles que dão atenção e importância às tendências e metodologias da História. Nossa proposta será a de realizar uma resenha, do primeiro capitulo dessa significativa obra.
Dito isto, já no inicio do capitulo Peter Burke coloca que, “Mais ou menos na última geração, o universo dos historiadores se expandiu a uma velocidade vertiginosa”. (pág. 6. Peter Burke). No entanto, se essa expansão traz a possibilidade de um maior enriquecimento à produção historiográfica, ela também trará alguns percalços e discussões. Nesse sentido o autor destaca que, “A história nacional, dominante no século dezenove, atualmente tem de competir com a história mundial e a história regional (antes deixada a cargo de antiquados amadores)”. (pág. 6. Peter Burke). Ou seja, uma nova perspectiva se abre, as barreiras históricas são rompidas e um novo e maior conhecimento no campo da história ganha espaço.
Burke discorre sobre essa expansão, onde a história social se desprende da história econômica e a história política vem a encontrar-se dividida, “Neste universo que se expande e se fragmenta, há uma necessidade crescente de orientação”. (Burke. Pág.9); trata-se de uma questão que estará constantemente presente no desenvolvimento da Nova História, tendência essa que constitui o foco inicial das reflexões de Burke. Assim, ao abordar a Nova História, o autor faz pertinentes indagações: “O que é a chamada nova história? Quanto ela é nova? É um modismo temporário ou uma tendência de longo prazo? Ela irá – ou deverá – substituir a história tradicional, ou as rivais podem coexistir pacificamente?” (Burke. Pág.9). São questões que deverão ser levadas em consideração se observarmos os problemas inerentes a esse novo paradigma proposto pela Nova História e a grande contribuição à historiografia, que a história tradicional ofereceu.
Na seqüência de suas observações e procurando responder à primeira indagação levantada anteriormente, Peter Burke é categórico ao afirmar que, “A nova história é a história escrita como uma reação deliberada contra o ‘paradigma’ tradicional...”, (Burke. Pág.10); é de se destacar ainda, a grande importância e influência a nova história, da escola dos Annales, escola criada por Marc Bloch, que apresentava uma proposta de oferecer um estudo histórico abrangente e total. Vale frisar que ambas escolas, os Annales e a nova história representam, uma resposta ao positivismo tão predominante no século XIX. Aliás, quando Burke fala em paradigma tradicional, acreditamos que o mesmo, refere-se a essa corrente.
Diante do exposto acima, é importante salientarmos que segundo Peter Buker “... a nova história começou a se interessar por virtualmente toda a atividade humana. Nos últimos trinta anos nos deparamos com varias histórias notáveis de tópicos que anteriormente não se havia pensado possuírem uma história...”. (Pág.11); Partindo do pressuposto atual de que a história é tudo aquilo que o homem produz, os precursores da nova história bem como ela própria podem ser vistos como vanguardistas e ousados, ao lançarem essas bases ainda no século XX, senão antes.
Discutindo os contrastes entre o modelo anterior de se estudar a história e o novo, ou seja, entre a história tradicional e a nova história, Peter Burke avalia criticamente a contribuição que a primeira ofereceu, segundo ele, ao argumentar que a história deveria ser baseada apenas em documentos, proposta rankeana, o resultado de tal ênfase foi a negligência de outras evidencias ocasionando um esquecimento a tudo o que foi feito antes da escrita. Por outro lado, Burke destaca que o movimento da “história vista de baixo” põe em evidência as limitações dos documentos sua vez expôs as limitações desse tipo de documento. “Os registros oficiais em geral expressam o ponto de vista oficial. Para reconstruir as atitudes dos hereges e dos rebeldes, tais registros necessitam ser suplementados por outros tipos de fonte”. (pág.13). Não obstante, devemos ressaltar que se o relato histórico restrito apenas a fontes documentais, característica da historiografia tradicional, prejudicou a utilização de outras fontes e por conseqüente, o desprezo por grande parte dos feitos realizados antes da invenção da escrita, não devemos negar que, essa produção constituiu uma grande herança aos historiadores futuros, uma vez que estes, tiveram um maior instrumento para posteriormente confrontar, com as novas fontes, aquele período histórico documentado.
Peter Burke dar em seguida, uma maior ênfase à influência dos Annales para a nova história, nesse sentido o autor ressalta que, comumente associa-se a nova história a três expoentes fundadores dos Annales, Lucien Febvre, Marc Bloch e posteriormente Fernand Braudel; sem desmerecer o trabalho e a importância desses três pesquisadores, Burke pontua que, “... eles não estavam sozinhos em sua revolta contra os rankeanos. Na Alemanha, por volta de 1900, Karl Lamprecht tornou-se impopular, expressando seu desafio ao paradigma tradicional”. (pág.17). Nesse particular, podemos questionar o por que então, de tão forte presença de franceses e do pensamento francês nessas duas correntes? Podemos explicar esse dilema observando que por muito tempo, a história francesa vem a exercer a função de guia dentro das ciências sociais daquele país, diferentemente, por exemplo, dos países de língua inglesa em que as ciências sociais advêm preferencialmente da Antropologia ou Sociologia.
Em seguida, Peter Burke debruça-se sobre os problemas de definição da nova história, no entanto, antes de aprofundar o debate nessa questão, o autor lembra a crise passada pelo paradigma tradicional, que consistia, sobretudo, na sua inadequação de método diante de um mundo em transformação, “A descolonização e o feminismo... são dois movimentos que obviamente tiveram grande impacto sobre a escrita histórica recente...”, (Pág. 20). Fica claro então, que o paradigma tradicional não era capaz de atender a essa nova estrutura política e social, o que permitiu o surgimento ou, o fortalecimento da nova história.
Assim, diante do quadro apresentado e que permitiu o declínio do antigo modelo historiográfico, Burke acerca do novo modelo reitera, “... o novo paradigma também tem seus problemas: problemas de definição, problemas de fontes, problemas de métodos, problemas de explicação”. (Pág.20). São questões que o autor explorará no desenvolvimento das suas observações, mas, queremos pontuar que tais problemas passam a ser inerentes a toda nova abordagem, onde os métodos de pesquisa, uma vez que não se encontram prontos, precisam de tempo para que se desenvolvam e amadureçam. Para corroborar com nossa colocação temos, segundo o ponto de vista de Burke que, “Os problemas de definição ocorrem porque os novos historiadores estão avançando em território não familiar”. (Pág.21). Como já foi dito em páginas precedentes, é um novo horizonte que se afigura à historiografia.
Deste modo, ao tomar pra si a responsabilidade em apresentar uma história “vista de baixo”, a nova história viu-se diante de inúmeros problemas de definição, doravante, Burke discute tais problemas, que vão desde da história política à história econômica, passando pela medicina educação e cultura; nesse último item o autor levanta a seguinte questão: “... se utilizarmos o termo em um sentido amplo, temos, pelo menos, que nos perguntar o que não deve ser considerado como cultura?” (Pág.23). É relevante percebermos, que o termo cultura passa a ser utilizado já no século XVIII, entre os filósofos franceses e alemães, sem, no entanto, chegarem a uma definição consensual do termo; acreditamos que definir o que vem a ser ou não cultura, é um problema latente ainda nos dias atuais.
Passando dos problemas de definição, aos problemas das fontes, Peter Burke comunga da seguinte idéia, “Os maiores problemas para os novos historiadores... são certamente aqueles das fontes e dos métodos”. (Pág.25). Nesse sentido, o autor analisa que muitos historiadores se valeram da história oral, enquanto outros tomaram como fonte as imagens ou a estatística. Pegando em particular o caso das imagens, mas destacando aqui as imagens colhidas de filmes como fonte historiográfica, gostaríamos de ressaltar que a mesma também apresenta limitações, como bem apontou José Luiz Werneck da Silva; segundo esse autor “... existe uma manipulação ideológica prévia de imagens, assim como uma articulação da linguagem cinematográfica com a produção do filme e com o contexto de sua realização”.
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Peter Buker segue oferecendo outros elementos de discussão acerca dos problemas das fontes que a nova história enfrenta, conferindo enfoque à relação entre historiadores e arqueólogos, ou, a cultura material como fonte, segundo o autor, “Os historiadores estão começando a competir com eles... (arqueólogos) pelo menos prestando mais atenção aos objetos físicos”. (Pág.28). Peter Buker fala-nos de competição, mas, no entanto, devemos encarar essa questão como cooperação, uma vez que se torna demasiadamente difícil o historiador tomar o lugar do antropólogo ou vice – versa; acreditamos que um trabalho mais frutífero deva consistir no estabelecimento de diálogos entre as duas ciências.
O autor também não se furta em apontar algumas contradições desse cenário, de acordo com Burke “De forma bastante irônica, a história da cultura material, área que tem atraído grande interesse nos últimos anos, é baseada menos no estudo dos artefatos em si, do que nas fontes literárias”. (Pág.29). Tal colocação feita vem a corroborar com a nossa tese de que não se deve, estabelecer uma competição entre historiadores e antropólogos, uma vez que os primeiros ainda encontram obstáculos e limitações no trato com utensílios materiais.
Refletindo sobre os problemas de explicação, Peter Buker assinala que, é função do historiador fazer uma constante analise retrospectiva da explicação histórica, “... uma vez que as tendências culturais e sociais não podem ser analisadas da mesma maneira que os acontecimentos políticos. Elas requerem mais explicação estrutural”. (pág.31). Ou seja, tal explicação histórica como aponta o autor, e considerando, sobretudo, a proposta da nova história que é produzir uma história vista de baixo, o que significa exatamente trabalhar com as diversas culturas e sociedades, deve então, ser baseada no fato de que tanto a cultura de uma sociedade como essa sociedade em si, não apresentam transformações bruscas, diferentemente dos movimentos políticos.
Uma outra vertente metodológica que chama a atenção de Peter Buker satisfatoriamente, é o grupo que ficou conhecido como psico – historiadores (Pág.32). Tendência que ganhou grande destaque nos Estados Unidos. Ainda sobre essa questão, mais a frente o autor afirma que, “... será de particular importância, visto que ela vincula os debates sobre a motivação consciente e inconsciente àqueles sobre as explicações individuais e coletivas”. (Pág. 34). Peter Burke oportunamente nos indica uma nova metodologia histórica, quando a mesma, procura estudar as motivações culturais e ideológicas de cada individuo ou de uma sociedade, apontando para uma interpretação em que os acontecimentos não recaem unicamente sobre um personagem, ou um líder e seus “cegos” seguidores.
Por fim, Peter Buker analisa os problemas de síntese, aqui, o autor chama nossa atenção para o fato de que, “A disciplina da história está atualmente mais fragmentada que nunca”. (Pág.35). Embora enxergamos com bons olhos a expansão de conteúdos e abordagens pela qual constitui a historiografia atual, somos forçados a admitir que a mesma corria o risco e acabou por submeter-se a essa fragmentação, assim, Peter Buker avalia tal contexto da seguinte forma, “Os historiadores econômicos são capazes de falar a linguagem dos economistas, os historiadores intelectuais, a linguagem dos filósofos, e os historiadores sociais, os dialetos dos sociólogos e dos antropólogos sociais...” concluindo que “... estes grupos de historiadores estão descobrindo ser cada vez mais difícil falar um com o outro”. (Pág. 35). Nossa avaliação baseia-se na tese de que, essa falta de dialogo entre os próprios historiadores, e não obstante, sua facilidade na linguagem com outras áreas pode incorrer no risco desses historiadores, não absorverem nenhuma das duas ciências.
Ademais, Peter Buker reflete positivamente “Ainda estamos a uma longa distância da história total defendida por Braudel. Na verdade, seria irrealista acreditar que esse objetivo poderia um dia ser alcançado – mas alguns passos a mais foram dados em sua direção”. (Pág. 37). Mesmo com todos os problemas inerentes a uma nova atuação, a nova história passa a oferecer um rico e estimulante paradigma teórico dentro da história, onde cada vez mais novas abordagens surgem e ganham relevância. Achamos prudente concluir esta resenha, destacando nosso compromisso em buscar interpretar os principais pontos comentados e discutidos por Peter Buker, onde em alguns momentos o autor evidenciou os erros e dificuldades dessa nova abordagem histórica, a nova história; que como bem frisou em seu texto, não é tão nova como muitos imaginavam. Assim, nesse dialogo, reforçamos ou complementamos suas observações oferecendo pontuais criticas.

Bibliografia:
BURKE, P. (org.). A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo:UNESP, 1992. 354 p.




[1] José Luiz Werneck da Silva. Do desprezo ao temor: o filme como fonte para o historiador. História em cadernos, Mestrado de História IFCS/UFRJ, vol. II, n 1, janeiro – agosto 1984.

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